sexta-feira, 12 de junho de 2009

Homilia de D. José Policarpo na Eucaristia do Corpo e Sangue de Cristo

1. O encadear das celebrações, na harmonia do Ano Litúrgico, permite-nos penetrar progressivamente no mistério da Igreja e no mistério de que a Igreja vive: redimidos por Jesus Cristo e unidos à Sua Páscoa, recebemos o Espírito Santo, mergulhando, assim, no mistério da Santíssima Trindade como comunhão de amor. Este é o âmago da novidade cristã: a humanidade foi reconduzida, por Cristo, à intimidade de Deus, participando na Sua comunhão de amor. Compreende-se que a celebração deste itinerário de redenção culmine na celebração da Eucaristia, mistério que se situa na realidade intrínseca da Igreja, que a define e de que ela vive. Até ao Pentecostes celebrámos as acções de Deus em favor da Igreja. Na Eucaristia celebramos uma acção da Igreja, expressão da sua identificação com Cristo, e da grandeza a que foi elevada nesse regresso da humanidade à intimidade de Deus. A Eucaristia seria impossível sem os actos redentores de Jesus Cristo. Mas fazendo um com Ele, tornada Seu corpo, a Igreja pode celebrar a Eucaristia e Cristo celebra com ela, aceita a precariedade dos meios humanos, para exprimir, sempre de novo, a sua oferta redentora e transformadora. A Eucaristia é o ponto culminante de uma longa pedagogia salvífica de Deus para reconduzir os homens à intimidade com Ele.

2. A Eucaristia é, antes de mais, a ratificação continuada da Aliança entre Deus e o Seu Povo, aliança nova e definitiva, anunciou-nos o Senhor, nova porque selada, não apenas com a nossa capacidade humana, mas pelo próprio Filho de Deus que se fez igual a nós para a poder celebrar em nosso nome. Definitiva, porque nela a humanidade, no seu regresso a Deus, toca já o tempo definitivo da eternidade.
Uma aliança é um compromisso mútuo de intimidade partilhada, de amor recíproco, de fidelidade ao que se jurou, é a decisão mútua de partilhar a vida, de caminhar em conjunto, de construir de mãos dadas a mesma história. Ser fiel à aliança ratificada é já regressar à intimidade com Deus.
Na antiguidade as alianças mais comprometedoras das partes contratantes eram assinadas com o próprio sangue. Daí a simbologia da celebração das alianças religiosas de Israel com Deus: eram seladas pelo sangue das vítimas oferecidas, com que era aspergido o próprio Povo. Esse sangue significava o compromisso do próprio Deus, porque as vítimas do sacrifício pertenciam-lhe, tinham-lhe sido oferecidas; mas representava também o Povo que as oferecia. Que longo caminho se percorreu, de anúncio em anúncio, até ao momento da definitiva Aliança assinada com o sangue de Deus e do Povo, no sangue de Jesus Cristo, que é Deus e Homem. "Este é o Meu sangue, o sangue da nova Aliança, derramado pela multidão dos homens" (Mc. 14,22-26).
Nunca o esqueçamos: o sangue eucarístico de Cristo é um sangue de aliança. Porque estamos unidos a Ele, podemos ratificar, sempre de novo, essa aliança nova e definitiva, com o Seu próprio sangue. Renovamo-la continuamente porque a queremos viver, ser-lhe fiéis em cada minuto da nossa vida. É próprio dos pactos de amor e de fidelidade renovarem-se ao ritmo da sua concretização na vida presente.

3. Celebração continuada e renovada da aliança da Igreja com Deus, no sangue de Jesus Cristo, a Eucaristia é momento de redenção. A Igreja tem consciência da sua fragilidade e do seu pecado, não consegue viver essa nova aliança, sempre renovada, numa fidelidade sem mancha. A Eucaristia é momento decisivo da aliança, porque pela purificação dos pecados, torna a Igreja capaz e digna de viver a aliança, convivendo com Deus, por Jesus Cristo. A Eucaristia, por ser momento de redenção, é sacramento de perdão. Ouvíamos há pouco um trecho da Carta aos Hebreus: "Se o sangue de cabritos e de toiros e a cinza de vitela, aspergidos sobre os que estão impuros, os santificam em ordem à pureza legal, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a Deus como vítima sem mancha, purificará a nossa consciência das obras mortas, para servirmos ao Deus vivo. Por isso Ele é mediador de uma nova aliança" (He. 9,13-14).
O arrependimento e a conversão são expressão permanente e necessária da nossa adesão à aliança, são graça contínua em cada Eucaristia celebrada na nossa caminhada de peregrinos. A Eucaristia é o momento mais exigente da conversão do nosso coração a Deus. Só com humildade e confiança nos podemos unir a Cristo na oferta do sacrifício redentor, recebê-l'O em comunhão de amor, adorá-l'O como nosso Senhor e nosso Deus. Cada uma destas expressões eucarísticas são concretização do nosso desejo de ser fiéis à aliança. Porque toda a vida do cristão converge para a Eucaristia, há uma forte dimensão eucarística em todos os sacramentos que nos permitem viver a Páscoa de Cristo, de modo muito particular no sacramento da reconciliação.

4. Na Eucaristia toda a força redentora da aliança se exprime na simplicidade da fé e do amor. Cessaram os sacrifícios aparatosos da liturgia do Antigo Testamento, com holocausto das vítimas e sangue físico aspergido sobre a multidão; tudo ficou reduzido à simplicidade dos símbolos que encerram a austeridade da fé e a intensidade do amor. Quanto mais os sacrifícios se aproximaram da verdade da aliança definitiva, mais simples se tornaram; na liturgia cristã só a fé nos abre as portas do absoluto e nos introduz na intimidade de Deus. A Eucaristia é, verdadeiramente, o mistério da fé. Só aí se toca e se acolhe a densidade do que significa e nos comunica. Nela, a generosidade da fé abre-nos à densidade do amor: Deus ama-nos com a radicalidade expressa no dom da vida do Seu Filho e faz-nos tocar a experiência do amor comunhão. É insondável a capacidade que a Eucaristia tem de incendiar os nossos corações com o desejo do amor de Deus. A Eucaristia é, para os cristãos, a única e verdadeira pedagogia do amor.
Celebremos com fé, adoremos com amor, digamos à nossa Cidade que a Eucaristia é o centro da nossa vida, mostremos ao mundo que somos um Povo que regressou à convivência íntima com Deus, porque somos o Povo da nova Aliança.

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

Documentos D. José Policarpo 2009-06-12 15:19:23 7530 Caracteres Diocese de Lisboa

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